Sim. Thiago Lacerda é alto. Tem 1,95cm e chama a atenção. Ou seja, quase não consegue circular pelo VIII Fliaraxá sem ser abordado por alguém. Paciente, tenta atender a todos, embora considere que os grandes “astros” do Festival são os escritores.
Um deles, o maior de todos, infelizmente não está mais entre nós. Machado de Assis, patrono do Fliaraxá, completaria no dia de ontem, 21 de junho, 180 anos. Thiago, que tem 41, deu vida ao autor de Dom Casmurro lendo trechos de seus contos durante uma homenagem realizada no auditório do Cine Tiradentes do Tauá Grande Hotel com a presença de cinco imortais da Academia Brasileira de Letras. (Leia aqui a matéria)
Thiago também fará neste sábado (22), 21h30, a leitura de fragmentos da obra de Valter Hugo Mãe, escritor do qual se aproximou mais recentemente.
Na entrevista, Lacerda falou com olhos fixos no repórter, em voz baixa e pausadamente. Ele queria se fazer entender. Explicou suas opiniões sobre literatura e imaginação, falou da importância de eventos como o Fliaraxá e defendeu o uso maior de possibilidades para divulgar a literatura, uma delas o projeto “Assista a esse livro”, da Globo, que ele veio divulgar junto com o escritor Edney Silvestre. Leia a íntegra abaixo:
Você se lembra quando leu um primeiro livro de Machado de Assis? Em qual circunstância você teve este primeiro contato com a obra do Machado?
O Machado é o fundador da minha referência de literatura de língua portuguesa. Depois, claro, fui conhecendo outros, mas ele foi o ponto inicial. Machado faz parte da nossa infância, da nossa história. Não me lembro exatamente quando foi que eu o li pela primeira vez. Acho que Helena, Memórias… me lembro muito bem dos contos como A Cartomante, Missa do Galo… o fato é que a movimentação em torno do objeto cultural ecoa, ninguém passa pelo Machado e sai igual, ninguém lê Guimarães e sai igual, ninguém lê o Valter [Hugo Mãe] e sai igual.
Qual o lugar da leitura no nosso imaginário? De que modo você acha que nós habitamos o mundo por intermédio da leitura?
Me parece que a leitura é o próprio imaginário. A centelha que inaugura o desamarrar, o desabrochar da imaginação acho que é a literatura de um modo geral. Todo indivíduo exposto a uma primeira experiência literária talvez tenha um momento de potencialização da sua própria imaginação. A leitura, essencialmente, é um instrumento de libertação desta imaginação. E a consequência disso é o lugar que a gente se vê no mundo, é a formatação de uma identidade, de uma identificação cultural.
Como você recebeu o convite para participar do Fliaraxá? Qual a importância para a leitura que você vê em um festival de literatura no interior de Minas Gerais. Faz sentido essa descentralização dos grandes centros?
A característica que faz um festival como este ser especial não é só pela reunião em torno da literatura, mas pelo fomento disso em uma região que está relativamente distante dos grandes eixos. Dirigir-se para o interior do Brasil e fazer este coração pulsar eu acho que é um mérito gigante do Afonso, do festival, de todas as pessoas que viabilizam e acreditam que este é um momento importante da celebração da cultura brasileira, da cultura de língua portuguesa. Estar aqui é um esforço pessoal de cada um em direção a algo muito importante. A gente tá num momento muito específico no qual eu acho que isso potencializa a importância do Festival. É um privilégio poder estar aqui, conviver com tantas figuras admiráveis, que têm tanto a dizer e contribuir.
O Fliaraxá acaba tendo o poder de mudar algumas realidades, né?
Imagina se o festival conseguisse documentar quase que como uma memória estroboscópica a evolução daquele tempo ali. Aí, daqui a 20 anos a gente vai ver surgir na região pessoas que foram diretamente influenciadas. Um autor, diretor, artistas plásticos, cientistas, editores, escritores, produtores. Certamente, daqui um tempo teremos toda uma geração influenciada pelo trabalho do Fliaraxá, que vem sendo semeado, o que acontece aqui é a semeadura… e vai brotar!
Já conhecia a obra do Valter Hugo Mãe?
Eu conhecia já algumas coisas. Mas, quando aconteceu o convite do Fliaraxá e eu pude confirmar que poderia estar presente, comecei então a me aproximar mais um pouquinho da obra do Valter. E eu agradeci a ele aqui no Fliaraxá porque… cara, que companhia é o Valter, né? Digo companhia com a prosa dele, a contribuição da literatura dele pra a língua portuguesa neste momento que a gente vive. Eu tô completamente pirado.
Ler hoje parece um ato revolucionário. Você concorda?
Acho grande a ousadia da leitura física. E eu sou daqueles que precisa do tato para conseguir ler. Acho que parar nesta velocidade do século 21 onde o dia parece que tem 43 horas e conseguir ler, é sim um ato revolucionário, um ato político.
Você veio falar também de adaptações literárias para a TV, um projeto da Globo que chama “Assista a esse Livro”. Acredita que a literatura não está só no papel? Que ela pode ser multimídia também?
Claro. Acho que a principal razão que a gente conta histórias é para que as pessoas ouçam, ou vejam ou leiam. E acho que o audiovisual é uma ferramenta para isso, que precisa ser considerada e não rechaçada por preconceito ou por medo ou por crítica. O que nos interessa é chegar às pessoas, seja por um caminhão, tipo o que a Heloisa tá com ele aqui [a professora Heloisa Starling coordena o Caminhão museu da UFMG] ou por um artista popular que vai através do cinema chegar a pessoas que talvez jamais teriam a oportunidade de comprar um livro. Então, eu acho que não só é possível como é necessário. Não só isso, as novas tecnologias também, a gente precisa começar a pensar na coisa da Internet, o que significa a rede, como é que a gente a usa como ferramenta e não como amarra. E é importante lidar com os preconceitos, tipo aquela coisa ‘quando fazíamos era muito melhor’… não é, as coisas se transformam mesmo, um hábito atual não elimina um hábito antigo, talvez aperfeiçoe, talvez crie novas características, mas eu acho que a evolução neste sentido da linguagem e das proximidades é maravilhosa.
(Rafael Minoro)
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