“Os profissionais envolvidos podem responder a processos éticos no Conselho Regional de Medicina por infração ao Código de Ética Médica”
A morte de uma menina de 8 anos em Araxá (MG), após múltiplas idas ao hospital com sintomas que inicialmente foram diagnosticados como virose, está sendo investigada por possível erro médico. A suspeita é de meningite, uma condição grave que exige diagnóstico precoce e condutas clínicas rigorosas. O caso gerou comoção e levou a Prefeitura a instaurar processo administrativo para apurar responsabilidades técnicas e institucionais.
Segundo a médica Caroline Daitx, especialista em Medicina Legal e Perícia Médica, a perícia judicial será essencial para esclarecer se houve negligência ou imperícia no atendimento. Ela explica que os principais critérios técnicos utilizados em perícias médicas incluem a análise detalhada do prontuário médico, a verificação da coerência dos registros com os sintomas apresentados e a confrontação das condutas adotadas com os protocolos clínicos vigentes, como os da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Também são avaliadas a cronologia dos atendimentos, a evolução dos sinais clínicos e a adequação dos exames solicitados e tratamentos prescritos. “Em casos como o de Araxá, a ausência de exames fundamentais, como a punção lombar para análise do líquido cefalorraquidiano, conhecido como líquor, realizado por exames laboratoriais para diagnosticar e monitorar doenças do sistema nervoso central (SNC), pode configurar falha grave”. A especialista destaca ainda a aplicação da Teoria do Queijo Suíço, que considera a falha sucessiva de múltiplas barreiras de segurança no processo de atendimento médico.
De acordo com a médica, em situações de suspeita de meningite, é imprescindível que o profissional de saúde realize uma avaliação clínica minuciosa, buscando sinais como febre, rigidez de nuca, vômitos, sonolência e fotofobia. “Exames laboratoriais como hemograma, PCR e glicemia devem ser solicitados, além da punção lombar, considerada essencial para confirmar o diagnóstico. Em alguns casos, exames de imagem como tomografia de crânio são indicados antes da punção, especialmente se houver suspeita de hipertensão intracraniana. A antibioticoterapia empírica deve ser iniciada imediatamente após a coleta dos exames, e a internação hospitalar é recomendada para observação clínica. A ausência injustificada dessas condutas pode ser interpretada como negligência médica”, reforça a especialista.
Caso a perícia confirme a negligência, os desdobramentos legais e éticos podem ser severos. Daitx ressalta que “os profissionais envolvidos podem responder a processos éticos no Conselho Regional de Medicina por infração ao Código de Ética Médica, além de serem responsabilizados civilmente por danos morais e materiais à família da vítima. No âmbito penal, pode haver enquadramento por homicídio culposo, caso seja comprovado o nexo causal entre a conduta médica e o óbito. Já as instituições de saúde, públicas ou privadas, podem ser responsabilizadas objetivamente pelas falhas de seus profissionais, conforme prevê o Código Civil e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Também podem ser alvo de sanções administrativas por parte da vigilância sanitária e do Ministério Público, caso sejam identificadas falhas estruturais ou omissões institucionais”, enfatiza.
A tragédia registrada em Araxá reforça a necessidade de atenção rigorosa aos protocolos médicos, especialmente em atendimentos pediátricos, e evidencia o papel fundamental da perícia médica na busca por justiça e responsabilização em situações de possível erro médico.
Caroline Daitx-crédito Moniz Caldas
Fonte: Caroline Daitx: médica especialista em medicina legal e perícia médica. Possui residência em Medicina Legal e Perícia Médica pela Universidade de São Paulo (USP). Atuou como médica concursada na Polícia Científica do Paraná e foi Diretora Científica da Associação dos Médicos Legistas do Paraná. Pós-graduada em gestão da qualidade e segurança do paciente. Atua como médica perita particular, promove cursos para médicos sobre medicina legal e perícia médica. CEO do Centro Avançado de Estudos Periciais (CAEPE), Perícia Médica Popular e Medprotec. Autora do livro “Alma da Perícia”. Doutoranda do departamento de patologia forense da USP Ribeirão Preto.




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